Do ponto de vista epidemiológico, no século XIX, a tuberculose (TB) representou
importante causa de mortalidade no Brasil, descrevendo-se cerca de 700 óbitos a cada 100.000 habitantes. A despeito
disso, a TB era vista de forma ‘positiva’ pela sociedade da época.
De fato, até a metade do século XIX, o tuberculoso era percebido
por seus contemporâneos em uma posição de refinamento, quiçá
motivado pelo ideário romântico, especialmente entre intelectuais e artistas. Neste contexto, a visão lírica da doença permitia
aos artistas expressarem seu sentimento de ambivalência, ora pelo
sofrimento que a doença gerava, ora pela peculiaridade que a ela
lhes garantia. Tal distinção surgia “como se as belas-artes atraíssem
o bacilo ou o bacilo, junto com a febre e as pontadas, desencadeasse
o amor das artes, mormente o das letras” (Queiroz, 1949,
apud Montenegro, 1971, p. 22). Embora fossem conhecidas
as repercussões dramáticas quanto aos prejuízos à saúde, poetas
como Casimiro de Abreu e Rachel de Queiroz, esta aos 16 anos
de idade, chegaram a ansiar pela tísica, tendo em vista os dotes
intelectuais e interessantes que a doença supostamente proporcionava.
Cansado do que chamou de “monotonia da boa saúde”,
Casimiro, em carta de 1858, manifestou o desejo em contrair
a doença: “Queria a tísica com todas as suas peripécias, queria ir
definhando liricamente, soltando sempre os últimos cantos da vida e
depois expirar no meio de perfumes debaixo do céu azulado da Itália,
ou no meio dessa natureza sublime que rodeia o Queimado”.
Também Machado de Assis manifestou-se acerca da tísica: “os poetas
em todos os tempos tiveram sempre uma queda para as criaturas
descoradas” (citado por Montenegro, 1971, p. 27). Casimiro de
Abreu e outros poetas brasileiros, dentre eles destacam-se José de
Alencar, Cruz e Souza e Augusto dos Anjos, tiveram um desfecho
fatal pela TB. Manuel Bandeira desponta como mais importante
personagem da literatura brasileira a relacionar a tísica ao desenvolvimento
da vocação literária. Adoeceu aos 18 anos e descreveu
a maneira como a doença se apresentou: “A moléstia não chegou
sorrateiramente, como costuma fazer, com emagrecimento, febrinha,
um pouco de tosse, não: caiu [...] de sopetão e com toda a violência,
como uma machadada de Brucutu”. Embora Bandeira não tenha
sido mais uma vítima fatal da TB, morreu aos 82 anos de hemorragia
digestiva em decorrência de uma úlcera duodenal, o
espectro da doença e a espera da morte sempre foram uma constante
em suas obras.
A partir do século XX, no entanto, ocorre o declínio da associação entre a tuberculose e a criação artística, a partir de quando a
doença passa a ser identificada, de forma mais clara, como preocupante
problema de saúde, por sua persistência e propagação,
particularmente entre as populações desfavorecidas. Relacionado
a esse novo cenário, observou-se, também, a mudança de concepção
sobre a enfermidade, passando de “mal romântico” a “mal
social”, contexto que acabou convergindo para a estigmatização
social do enfermo, a qual se perpetua, em grau distinto, até os
dias atuais.
Fonte: http://files.bvs.br/upload/S/1679-1010/2012/v10n3/a2886.pdf
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